
VENDER ARROZ EM CASCA É COMO VENDER MILHO EM ESPIGA
Entrevista publicada na revista internacional de sementes SEED NEWS, Ano VI, n°2, Março/Abril de 2002, concedida ao Prof. Dr. Silmar Teichert Peske e ao Jornalista Miro Weirich, respectivamente Consultor Técnico e Editor da mídia referida.
A lembrança bem presente de uma prática de comercialização agrícola assistida na infância, reforça o conceito de engenheiro agrônomo José Nei Telesca Barbosa de que vender arroz em casca é um sistema que pode ser comparado a vender milho em espiga. Ele lembra que quando ainda era menino – há pouco mais de 40 anos – seu pai vendia milho em balaio, ainda na espiga, volume que depois de debulhado correspondia a 18 quilogramas. “Eram convenções antigas, que valiam para a época e eram bem aceitas. Só que houve uma evolução que, infelizmente, ainda não chegou para o arroz”, observa.
“Com o tempo, um vizinho da região adquiriu uma trilhadeira, e meu pai pagava certa quantia para trilhar e começou a vender o milho em grão. E, claro, ganhava um pouco mais vendendo o produto já debulhado, em sacos de 60 quilos”, descreve José Nei Barbosa para justificar a tese que já defendeu em artigos publicados na mídia nacional, favorável ao fim da negociação do arroz a depósito, em que o produtor simplesmente entrega a produção para beneficiamento, tornando-se refém dos engenhos e deixando de auferir, ele próprio, das vantagens financeiras de comercializar o produto já beneficiado, sem intermediários.
Segundo Barbosa, o momento da colheita e comercialização da safra acirra a cada ano a tradicional celeuma entre produtor e indústria em torno da negociação sobre recepção, limpeza, secagem armazenagem e beneficiamento da produção. De parte do produtor nunca houve um real acompanhamento financeiro das conseqüências da simples entrega do produto a depósito. De outro lado, a indústria nunca se preocupou em repassar parte dos extraordinários ganhos resultantes desta fase do agronegócio, “garantindo a sobrevivência do parceiro e viabilizando a atividade agrícola”.
“O engenho, por ter recebido grande quantidade de arroz dos produtores para a realização da secagem e armazenagem sai do mercado de compra, obtendo um capital de giro sem custos e comprando apenas em condições bastante vantajosas, ou seja, de produtores que se submetem ao preço oferecido. Por outro lado, o produto depositado, ao ser adquirido, constituirá uma aquisição meramente contábil, não contemplando despesas com fretes e corretagens. Se o produto for comprado nos leilões da CONAB, certamente o será por preço bem inferior ao de mercado, visto que esta operação é realizada para baixar os preços para o consumidor em períodos de pico”, adverte o entrevistado. Para inverter esse processo, surgem saídas como a armazenagem própria ou terceirizada, chegando-se à possibilidade que se tem mostrado ideal: a venda do arroz beneficiado (descascado e polido).
Há quinze anos envolvido no estudo da problemática do agronegócio, Barbosa pondera que esta nova situação impõe ao produtor o que chama de um novo paradigma ou um passo à frente na comercialização: ao invés de vender arroz em casca para o engenho, passar a vender o arroz já beneficiado para os supermercados ou para as grandes empresas que gerenciam a cadeia de produção (embalam e colocam o produto no mercado com a sua marca), mediante o pagamento a um beneficiador. “Isto faria com que o engenho voltasse a ganhar no beneficiamento e não na compra e venda do produto como se dá hoje”, argumenta.
“Hoje o orizicultor está muito especializado na produção, mas é preciso que saia de dentro da porteira, pois tanto ele quanto nós, técnicos, temos muito o que aprender no que se refere à comercialização”, afirma o agrônomo ao começar a demonstrar as implicações financeiras de se chegar ao mercado. O primeiro passo para comercializar o arroz beneficiado exigiu o estudo dos custos do beneficiamento e dos impostos a serem pagos até o produto chegar ao varejista, que até então significavam uma caixa-preta para os produtores. Este estudo concluiu que, aos preços de hoje, sobram ainda dez por cento ao produtor (representados por grãos inteiros, canjicão e quirela), permanecendo competitivo o seu preço final.
José Nei Barbosa pondera que a venda do arroz beneficiado diretamente pelo produtor exige a existência de um prestador de serviço com qualidade e a organização dos produtores, de forma a atender às exigências do mercado: qualidade, quantidade e regularidade de oferta. E, por fim, é necessário um sistema que aproxime o supermercadista do produtor.
Beneficiar não é industrializar
A tese que contraria a negociação do arroz a depósito é reforçada pelo conceito de que o beneficiamento seria ainda uma fase da produção e não da industrialização, pois não exige uma operação sofisticada, passando a indústria a dedicar-se à produção de alimentos pré-prontos, biscoitos e outros produtos à base de arroz. Esse conceito foi referendado em acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de dezembro de 2000, em que um ministro, em seu parecer, considera que o beneficiamento de produtos feito pelos próprios agricultores não constitui processo industrial, entendido como o processo de transformação do produto. A decisão tem reflexos importantes no que diz respeito a imposto de renda e impostos – não perdendo a condição de pessoa física, IPI, PIS e COFINS não seriam cobrados.
“Se prevalecesse o entendimento contrário, o agricultor também seria considerado pessoa jurídica se preparasse e vendesse milho, soja e café, porque também nestes grãos se tira a palha e se separam os grãos quebrados e o farelo, sem a utilização de qualquer processo de transformação”, afirmou o ministro relator do recurso no STJ, lembrando que, após descascado, o arroz continua sendo arroz (inteiro ou quebrado) e é vendido “in natura”.
A Lei Complementar n° 16, que fundamentou o voto do ministro, define produto rural como aquele de origem vegetal ou animal que não passou por qualquer processo de industrialização, “ainda que haja sido submetido a processo de beneficiamento, destinado à preparação de matéria-prima para posterior processo de industrialização”.
“Essa decisão extrapola o meu raciocínio inicial, que comparava o arroz com o milho em espiga, pois afirma que o mesmo vale para qualquer produto de origem vegetal ou animal. Então, colocar o leite no saquinho também não pode ser considerado um processo industrial – a industrialização seria fazer o queijo, o yogurte. Matar o boi e simplesmente dividi-lo em pedaços também não seria. O STJ ampliou essa visão”, analisa Barbosa.
O especialista em agronegócios encerra fazendo uma estimativa sobre os lucros do orizicultor a partir deste conceito. Avalia que a despesa com o beneficiamento do produto (se o produtor não tiver equipamento próprio) representa seis a dez por cento, mas o fato de não entregar o arroz a depósito pode gerar uma receita extra de 20%., o que possibilita boa margem de negociação junto ao supermercado ou ao grande revendedor, tornando-o mais competitivo. “Ele pode ganhar 10% a mais e ainda dar um desconto equivalente ao comprador. E hoje essa margem pode representar a lucratividade que viabilize o negócio”, observa.
A venda do arroz já descascado e polido tem como resultado, portanto, um preço maior, gerando ainda renda sobre os sub-produtos (o farelo, a casca, o canjicão, o quebradinho).
Como a valorização do produto e o retorno financeiro decorrente, estão na dependência direta dos fatores como índice de impurezas, ponto de colheita e evitar a mistura de arroz verde com maduro, dentre outros cuidados, o resultado será a oferta de um produto de melhor qualidade. Já a indústria poderá sofisticar mais o produto, alargando cada vez mais o mercado, pois o arroz chegará à mesa do consumidor também na forma de pão, bolachas, chips...