terça-feira, 22 de abril de 2008

O ARROZ, EXPORTAR É O QUE IMPORTA ?


ARROZ, EXPORTAR É O QUE IMPORTA?


Artigo publicado no site http://www.agrolink.com.br/, em 22.04.2008, www.arroz.agr.br e www.sonoticias.com.br/agronoticias .
A 18a. Abertura da Colheita do Arroz, realizada pela FEDERARROZ e IRGA foi monumental, conforme verificamos na visita que fizemos no domingo, 02.03.2008. A qualidade dos estandes, dos experimentos, da infra-estrutura, enfim, do calor humano dos denodados funcionários da autarquia estadual, que se desdobraram para bem receber as autoridades, produtores, técnicos e empresários, enfim, todos que para lá se dirigiram.
O que nos soou destoante em tão brilhante evento, foi o uníssono discurso das autoridades do Executivo, Legislativo e lideranças de classe, na direção da prioridade absoluta da exportação do arroz, como sendo uma panacéia para os problemas da falta de rentabilidade do setor. Foram, inclusive, anunciados os recursos necessários para a melhoria das instalações da CESA no Porto do Rio Grande para o fim mencionado.
O tema que estamos propondo é muito difícil, em vista do tamanho da empreitada em fazer um contraponto a essa avalanche, formada por este pensamento de grupo, porém não podemos nos omitir, visto que o tema é bastante sério, não obstante ainda que, na última semana, outras e maiores terem sido as notícias favoráveis à viabilidade da exportação do cereal.
Vários especialistas apregoam, ao longo do tempo, a pequena mobilidade do arroz nas transações no mercado internacional, que segundo a profa. Sílvia H. G. de Miranda (II Congresso Brasileiro da Cadeia Produtiva de Arroz realizada pela Embrapa em Brasília, de 26 a 28 de Abril/2006), atinge ao máximo de 5% a 7% da produção mundial. Já, o informe Inter@rroz, de fevereiro 2008, Patrício Mendez Villar, tendo como fonte USDA&FAO, projeta uma produção mundial de 645,7 milhões de toneladas (2008), uma produção de 642,2 milhões de toneladas (2007) e uma exportação e 30,3 milhões de toneladas (2007) ou 4,71% no ano que passou. O Informe da Corretora Mercado de 10.04.2008, citando a assessoria de mercado do IRGA, informa “...enquanto as exportações brasileiras não devem ultrapassar 250.000 toneladas”.
Temos proposto e exposto alternativas de agregação de valor para o aumento da rentabilidade do setor arrozeiro, de amplo conhecimento, perfeitamente viáveis e que já vêm sendo implementadas, porém ainda de forma incipiente, pois está faltando a mesma “força de venda”, que está sendo dada para a exportação do produto.
Não que esteja equivocada a atitude do setor, apenas estamos alertando que estão sendo despendidas energias consideráveis em uma direção que produzirá pequenos resultados e/ou de longo prazo, mesmo porque a exportação que já vem sendo trabalhada, há cerca de três anos, chegou a quantia de 295.000 toneladas, sendo em sua maior parte (71%) de arroz quebrado.
O fato que viceja neste propósito dentre os componentes da cadeia arrozeira é o de tomar uma direção que não desagrade a nenhum de seus agentes, isto é, ninguém se obriga a mudar ou inovar, postergando ações extremamente necessárias. Além do mais, não será o produtor o beneficiado, pois não é ele que estará exportando o produto e o setor não trabalha no sistema de integração. No caso da pecuária de corte, a rentabilidade em nível do produtor somente foi alcançada, quando houve a exportação do gado em pé, direto da fazenda, solução senão a mais adequada, mas a que propiciou a tão almejada renda que vige até hoje e que está obrigando os frigoríficos a repensarem suas atitudes na cadeia de produção.
Ainda comparando com a situação da pecuária, podemos relatar que participamos de nove reuniões realizadas na época de preços aviltantes e em todas elas, era apontado como o principal problema o “abigeato”, como não querendo encarar os principais problemas de frente (como agora no caso do arroz), “boxeando às cegas” contra um inimigo invisível e que, seguramente, não era o mais importante, mesmo que, de plano devesse ser repelido. Do mesmo modo, no setor de conservas de pêssego, atira-se na direção da “concorrência do produto importado”, para “esconder debaixo do tapete” as mazelas do setor, como ocorrem nos setores anteriormente citados.
Ao não ser apontado o melhor caminho a ser seguido, vão ficando “soldados” pelos caminhos, “emboscados” pela falta de renda de setores que poderiam ser extremamente ricos, perdendo renda os produtores, o país pela menor arrecadação e a população pela menor oferta de emprego.
Para que fique bem entendido, não estamos firmando posição contrária a exportação do arroz, apenas alertando que, o “esforço de venda”, deve concentrar-se em ações que precisam ser tomadas no setor arrozeiro e que trariam maior margem de contribuição, aumentando a renda do agronegócio arroz, em especial a do produtor.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

A NEGOCIAÇÃO DO ARROZ A DEPÓSITO

A NEGOCIAÇÃO DO ARROZ A DEPÓSITO

Artigo publicado na revista Enfoque Sul, do NEA/UFPel, Lagoa Mirim, de maio de 2000, sob a coordenação do Dr. Alexandre Barun.

Ao aproximar-se o período da colheita e comercialização da safra de arroz 99/00, repete-se a conhecida celeuma produtor x indústria para o encaminhamento da negociação da fase de recepção, limpeza, secagem, armazenamento e beneficiamento da produção.
Esse momento agrícola, ao longo do tempo, não mereceu maior análise por parte do produtor que, tradicionalmente, não se preocupava com esta fase do empreendimento rural. Simplesmente, entregava a produção a depósito, sem um maior acompanhamento financeiro das conseqüências que este fato gerava. E, de outro lado, a indústria nunca se preocupou em repassar parte dos extraordinários ganhos que esta fase do agronegócio gera, a fim de garantir a sobrevivência do parceiro que viabiliza o seu negócio: a chamada “galinha dos ovos de ouro”, com o fim tão conhecido que teve na cadeia do pêssego, ora em reestruturação.
O risco de o arroz ter um fim semelhante ao do trigo, nos próximos dez anos, mantida a descapitalização do setor, também é apontado por Geraldo Pereira de Souza, Presidente do Sindicato Rural de São Gabriel (CPovo, 27.12.99).
Desdobrando financeiramente o significado da entrega do arroz a depósito no engenho, que no primeiro momento pode significar “armazenagem de graça” para o produtor, pode-se encontrar uma série de valorizações que esta decisão gera, donde podem ser enumerados:
a) capital de giro sem custo, visto que o produto, não necessariamente, será guardado até a realização da venda;
b) compra do produto depositado por preço mais baixo do que a cotação do produto no mercado livre, visto que para retirá-lo, além do constrangimento que o fato produz, seguramente, caso isto venha a ocorrer, irá acarretar cobranças de taxas, não previamente estipuladas;
c) quando for adquirido o produto depositado, a aquisição será um procedimento meramente contábil, não se verificando despesas com fretes e corretagens;
d) como o engenho possui produto estocado e disponível para o beneficiamento, pode sair do mercado de compra, apenas o fazendo em condições bastante vantajosas, isto é, daqueles que se submetem ao preço oferecido;
e) se o produto for transformado em EGF (Empréstimo do Governo Federal), terá o ganho da taxa de armazenagem;
f) quando o produto for adquirido em leilão da CONAB, certamente o será por preço bem inferior ao de mercado.
Tantas valorizações tem o engenho com relação ao produto entregue a depósito, que este há muito mudou o foco de sua principal atividade, ou seja, do beneficiamento para o da compra e venda do cereal. Esta relação perversa tem contribuído para a perda de rentabilidade da lavoura orizícola, tornando-se, dentre outras, numa das razões da descapitalização do setor.
O produto de antemão comprometido com a indústria, impossibilita o produtor de ter acesso aos modernos mecanismos de comercialização agrícola, como os praticados nas Bolsas de Mercadorias, mercados de Opção, CPR e Leilão Eletrônico.
Caso não haja a visão da integração da cadeia produtiva como o já percebido por outros segmentos da agropecuária, não resta ao produtor outra alternativa, senão, via sistemas associativos ou de parcerias com setores mais a frente da cadeia, procurar livrar-se deste “amor fatal”.

VENDER ARROZ EM CASCA É COMO VENDER MILHO EM ESPIGA


VENDER ARROZ EM CASCA É COMO VENDER MILHO EM ESPIGA

Entrevista publicada na revista internacional de sementes SEED NEWS, Ano VI, n°2, Março/Abril de 2002, concedida ao Prof. Dr. Silmar Teichert Peske e ao Jornalista Miro Weirich, respectivamente Consultor Técnico e Editor da mídia referida.


A lembrança bem presente de uma prática de comercialização agrícola assistida na infância, reforça o conceito de engenheiro agrônomo José Nei Telesca Barbosa de que vender arroz em casca é um sistema que pode ser comparado a vender milho em espiga. Ele lembra que quando ainda era menino – há pouco mais de 40 anos – seu pai vendia milho em balaio, ainda na espiga, volume que depois de debulhado correspondia a 18 quilogramas. “Eram convenções antigas, que valiam para a época e eram bem aceitas. Só que houve uma evolução que, infelizmente, ainda não chegou para o arroz”, observa.
“Com o tempo, um vizinho da região adquiriu uma trilhadeira, e meu pai pagava certa quantia para trilhar e começou a vender o milho em grão. E, claro, ganhava um pouco mais vendendo o produto já debulhado, em sacos de 60 quilos”, descreve José Nei Barbosa para justificar a tese que já defendeu em artigos publicados na mídia nacional, favorável ao fim da negociação do arroz a depósito, em que o produtor simplesmente entrega a produção para beneficiamento, tornando-se refém dos engenhos e deixando de auferir, ele próprio, das vantagens financeiras de comercializar o produto já beneficiado, sem intermediários.
Segundo Barbosa, o momento da colheita e comercialização da safra acirra a cada ano a tradicional celeuma entre produtor e indústria em torno da negociação sobre recepção, limpeza, secagem armazenagem e beneficiamento da produção. De parte do produtor nunca houve um real acompanhamento financeiro das conseqüências da simples entrega do produto a depósito. De outro lado, a indústria nunca se preocupou em repassar parte dos extraordinários ganhos resultantes desta fase do agronegócio, “garantindo a sobrevivência do parceiro e viabilizando a atividade agrícola”.
“O engenho, por ter recebido grande quantidade de arroz dos produtores para a realização da secagem e armazenagem sai do mercado de compra, obtendo um capital de giro sem custos e comprando apenas em condições bastante vantajosas, ou seja, de produtores que se submetem ao preço oferecido. Por outro lado, o produto depositado, ao ser adquirido, constituirá uma aquisição meramente contábil, não contemplando despesas com fretes e corretagens. Se o produto for comprado nos leilões da CONAB, certamente o será por preço bem inferior ao de mercado, visto que esta operação é realizada para baixar os preços para o consumidor em períodos de pico”, adverte o entrevistado. Para inverter esse processo, surgem saídas como a armazenagem própria ou terceirizada, chegando-se à possibilidade que se tem mostrado ideal: a venda do arroz beneficiado (descascado e polido).
Há quinze anos envolvido no estudo da problemática do agronegócio, Barbosa pondera que esta nova situação impõe ao produtor o que chama de um novo paradigma ou um passo à frente na comercialização: ao invés de vender arroz em casca para o engenho, passar a vender o arroz já beneficiado para os supermercados ou para as grandes empresas que gerenciam a cadeia de produção (embalam e colocam o produto no mercado com a sua marca), mediante o pagamento a um beneficiador. “Isto faria com que o engenho voltasse a ganhar no beneficiamento e não na compra e venda do produto como se dá hoje”, argumenta.
“Hoje o orizicultor está muito especializado na produção, mas é preciso que saia de dentro da porteira, pois tanto ele quanto nós, técnicos, temos muito o que aprender no que se refere à comercialização”, afirma o agrônomo ao começar a demonstrar as implicações financeiras de se chegar ao mercado. O primeiro passo para comercializar o arroz beneficiado exigiu o estudo dos custos do beneficiamento e dos impostos a serem pagos até o produto chegar ao varejista, que até então significavam uma caixa-preta para os produtores. Este estudo concluiu que, aos preços de hoje, sobram ainda dez por cento ao produtor (representados por grãos inteiros, canjicão e quirela), permanecendo competitivo o seu preço final.
José Nei Barbosa pondera que a venda do arroz beneficiado diretamente pelo produtor exige a existência de um prestador de serviço com qualidade e a organização dos produtores, de forma a atender às exigências do mercado: qualidade, quantidade e regularidade de oferta. E, por fim, é necessário um sistema que aproxime o supermercadista do produtor.

Beneficiar não é industrializar

A tese que contraria a negociação do arroz a depósito é reforçada pelo conceito de que o beneficiamento seria ainda uma fase da produção e não da industrialização, pois não exige uma operação sofisticada, passando a indústria a dedicar-se à produção de alimentos pré-prontos, biscoitos e outros produtos à base de arroz. Esse conceito foi referendado em acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de dezembro de 2000, em que um ministro, em seu parecer, considera que o beneficiamento de produtos feito pelos próprios agricultores não constitui processo industrial, entendido como o processo de transformação do produto. A decisão tem reflexos importantes no que diz respeito a imposto de renda e impostos – não perdendo a condição de pessoa física, IPI, PIS e COFINS não seriam cobrados.
“Se prevalecesse o entendimento contrário, o agricultor também seria considerado pessoa jurídica se preparasse e vendesse milho, soja e café, porque também nestes grãos se tira a palha e se separam os grãos quebrados e o farelo, sem a utilização de qualquer processo de transformação”, afirmou o ministro relator do recurso no STJ, lembrando que, após descascado, o arroz continua sendo arroz (inteiro ou quebrado) e é vendido “in natura”.
A Lei Complementar n° 16, que fundamentou o voto do ministro, define produto rural como aquele de origem vegetal ou animal que não passou por qualquer processo de industrialização, “ainda que haja sido submetido a processo de beneficiamento, destinado à preparação de matéria-prima para posterior processo de industrialização”.
“Essa decisão extrapola o meu raciocínio inicial, que comparava o arroz com o milho em espiga, pois afirma que o mesmo vale para qualquer produto de origem vegetal ou animal. Então, colocar o leite no saquinho também não pode ser considerado um processo industrial – a industrialização seria fazer o queijo, o yogurte. Matar o boi e simplesmente dividi-lo em pedaços também não seria. O STJ ampliou essa visão”, analisa Barbosa.
O especialista em agronegócios encerra fazendo uma estimativa sobre os lucros do orizicultor a partir deste conceito. Avalia que a despesa com o beneficiamento do produto (se o produtor não tiver equipamento próprio) representa seis a dez por cento, mas o fato de não entregar o arroz a depósito pode gerar uma receita extra de 20%., o que possibilita boa margem de negociação junto ao supermercado ou ao grande revendedor, tornando-o mais competitivo. “Ele pode ganhar 10% a mais e ainda dar um desconto equivalente ao comprador. E hoje essa margem pode representar a lucratividade que viabilize o negócio”, observa.
A venda do arroz já descascado e polido tem como resultado, portanto, um preço maior, gerando ainda renda sobre os sub-produtos (o farelo, a casca, o canjicão, o quebradinho).
Como a valorização do produto e o retorno financeiro decorrente, estão na dependência direta dos fatores como índice de impurezas, ponto de colheita e evitar a mistura de arroz verde com maduro, dentre outros cuidados, o resultado será a oferta de um produto de melhor qualidade. Já a indústria poderá sofisticar mais o produto, alargando cada vez mais o mercado, pois o arroz chegará à mesa do consumidor também na forma de pão, bolachas, chips...