quinta-feira, 3 de abril de 2008

VENDER ARROZ EM CASCA É COMO VENDER MILHO EM ESPIGA


VENDER ARROZ EM CASCA É COMO VENDER MILHO EM ESPIGA

Entrevista publicada na revista internacional de sementes SEED NEWS, Ano VI, n°2, Março/Abril de 2002, concedida ao Prof. Dr. Silmar Teichert Peske e ao Jornalista Miro Weirich, respectivamente Consultor Técnico e Editor da mídia referida.


A lembrança bem presente de uma prática de comercialização agrícola assistida na infância, reforça o conceito de engenheiro agrônomo José Nei Telesca Barbosa de que vender arroz em casca é um sistema que pode ser comparado a vender milho em espiga. Ele lembra que quando ainda era menino – há pouco mais de 40 anos – seu pai vendia milho em balaio, ainda na espiga, volume que depois de debulhado correspondia a 18 quilogramas. “Eram convenções antigas, que valiam para a época e eram bem aceitas. Só que houve uma evolução que, infelizmente, ainda não chegou para o arroz”, observa.
“Com o tempo, um vizinho da região adquiriu uma trilhadeira, e meu pai pagava certa quantia para trilhar e começou a vender o milho em grão. E, claro, ganhava um pouco mais vendendo o produto já debulhado, em sacos de 60 quilos”, descreve José Nei Barbosa para justificar a tese que já defendeu em artigos publicados na mídia nacional, favorável ao fim da negociação do arroz a depósito, em que o produtor simplesmente entrega a produção para beneficiamento, tornando-se refém dos engenhos e deixando de auferir, ele próprio, das vantagens financeiras de comercializar o produto já beneficiado, sem intermediários.
Segundo Barbosa, o momento da colheita e comercialização da safra acirra a cada ano a tradicional celeuma entre produtor e indústria em torno da negociação sobre recepção, limpeza, secagem armazenagem e beneficiamento da produção. De parte do produtor nunca houve um real acompanhamento financeiro das conseqüências da simples entrega do produto a depósito. De outro lado, a indústria nunca se preocupou em repassar parte dos extraordinários ganhos resultantes desta fase do agronegócio, “garantindo a sobrevivência do parceiro e viabilizando a atividade agrícola”.
“O engenho, por ter recebido grande quantidade de arroz dos produtores para a realização da secagem e armazenagem sai do mercado de compra, obtendo um capital de giro sem custos e comprando apenas em condições bastante vantajosas, ou seja, de produtores que se submetem ao preço oferecido. Por outro lado, o produto depositado, ao ser adquirido, constituirá uma aquisição meramente contábil, não contemplando despesas com fretes e corretagens. Se o produto for comprado nos leilões da CONAB, certamente o será por preço bem inferior ao de mercado, visto que esta operação é realizada para baixar os preços para o consumidor em períodos de pico”, adverte o entrevistado. Para inverter esse processo, surgem saídas como a armazenagem própria ou terceirizada, chegando-se à possibilidade que se tem mostrado ideal: a venda do arroz beneficiado (descascado e polido).
Há quinze anos envolvido no estudo da problemática do agronegócio, Barbosa pondera que esta nova situação impõe ao produtor o que chama de um novo paradigma ou um passo à frente na comercialização: ao invés de vender arroz em casca para o engenho, passar a vender o arroz já beneficiado para os supermercados ou para as grandes empresas que gerenciam a cadeia de produção (embalam e colocam o produto no mercado com a sua marca), mediante o pagamento a um beneficiador. “Isto faria com que o engenho voltasse a ganhar no beneficiamento e não na compra e venda do produto como se dá hoje”, argumenta.
“Hoje o orizicultor está muito especializado na produção, mas é preciso que saia de dentro da porteira, pois tanto ele quanto nós, técnicos, temos muito o que aprender no que se refere à comercialização”, afirma o agrônomo ao começar a demonstrar as implicações financeiras de se chegar ao mercado. O primeiro passo para comercializar o arroz beneficiado exigiu o estudo dos custos do beneficiamento e dos impostos a serem pagos até o produto chegar ao varejista, que até então significavam uma caixa-preta para os produtores. Este estudo concluiu que, aos preços de hoje, sobram ainda dez por cento ao produtor (representados por grãos inteiros, canjicão e quirela), permanecendo competitivo o seu preço final.
José Nei Barbosa pondera que a venda do arroz beneficiado diretamente pelo produtor exige a existência de um prestador de serviço com qualidade e a organização dos produtores, de forma a atender às exigências do mercado: qualidade, quantidade e regularidade de oferta. E, por fim, é necessário um sistema que aproxime o supermercadista do produtor.

Beneficiar não é industrializar

A tese que contraria a negociação do arroz a depósito é reforçada pelo conceito de que o beneficiamento seria ainda uma fase da produção e não da industrialização, pois não exige uma operação sofisticada, passando a indústria a dedicar-se à produção de alimentos pré-prontos, biscoitos e outros produtos à base de arroz. Esse conceito foi referendado em acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de dezembro de 2000, em que um ministro, em seu parecer, considera que o beneficiamento de produtos feito pelos próprios agricultores não constitui processo industrial, entendido como o processo de transformação do produto. A decisão tem reflexos importantes no que diz respeito a imposto de renda e impostos – não perdendo a condição de pessoa física, IPI, PIS e COFINS não seriam cobrados.
“Se prevalecesse o entendimento contrário, o agricultor também seria considerado pessoa jurídica se preparasse e vendesse milho, soja e café, porque também nestes grãos se tira a palha e se separam os grãos quebrados e o farelo, sem a utilização de qualquer processo de transformação”, afirmou o ministro relator do recurso no STJ, lembrando que, após descascado, o arroz continua sendo arroz (inteiro ou quebrado) e é vendido “in natura”.
A Lei Complementar n° 16, que fundamentou o voto do ministro, define produto rural como aquele de origem vegetal ou animal que não passou por qualquer processo de industrialização, “ainda que haja sido submetido a processo de beneficiamento, destinado à preparação de matéria-prima para posterior processo de industrialização”.
“Essa decisão extrapola o meu raciocínio inicial, que comparava o arroz com o milho em espiga, pois afirma que o mesmo vale para qualquer produto de origem vegetal ou animal. Então, colocar o leite no saquinho também não pode ser considerado um processo industrial – a industrialização seria fazer o queijo, o yogurte. Matar o boi e simplesmente dividi-lo em pedaços também não seria. O STJ ampliou essa visão”, analisa Barbosa.
O especialista em agronegócios encerra fazendo uma estimativa sobre os lucros do orizicultor a partir deste conceito. Avalia que a despesa com o beneficiamento do produto (se o produtor não tiver equipamento próprio) representa seis a dez por cento, mas o fato de não entregar o arroz a depósito pode gerar uma receita extra de 20%., o que possibilita boa margem de negociação junto ao supermercado ou ao grande revendedor, tornando-o mais competitivo. “Ele pode ganhar 10% a mais e ainda dar um desconto equivalente ao comprador. E hoje essa margem pode representar a lucratividade que viabilize o negócio”, observa.
A venda do arroz já descascado e polido tem como resultado, portanto, um preço maior, gerando ainda renda sobre os sub-produtos (o farelo, a casca, o canjicão, o quebradinho).
Como a valorização do produto e o retorno financeiro decorrente, estão na dependência direta dos fatores como índice de impurezas, ponto de colheita e evitar a mistura de arroz verde com maduro, dentre outros cuidados, o resultado será a oferta de um produto de melhor qualidade. Já a indústria poderá sofisticar mais o produto, alargando cada vez mais o mercado, pois o arroz chegará à mesa do consumidor também na forma de pão, bolachas, chips...

5 comentários:

Anônimo disse...

Com certeza você tem razão, um pouquinho mais de trabalho, pode trazer uma lucratividade bem maior.

Antônio Juarez V.Viegas disse...

José Nei, muito legal a tua bandeira. Continues nesse caminho. O rumo do agronegócio precisa mudar. Trabalha-se no Brasil só a parte da matéria prima - precisamos beneficiá-la, pois ai está o ganho do produtor.

Ademir Ferrer disse...

José Nei Telesca Barbosa é acima de seus títulos um lutador social, nunca se deixou envolver pelo sistema consumista danoso.
E tem a coragem de dizer isso em público, sem meias palavras está explicitado aqui no blog.
Para mim o José Nei como é tratado pelos amigos, é um cidadão consiente e participativo, como todos nós deveríamos ser!! Parabéns Zé nei!

Anônimo disse...

Muitas vezes o intermediário de um negócio ganha tanto como aquele que investe, arrisca com o clima, e todos os contratempos da agricultura.Vejo na pessoa do José Nei um interessado no bem público, empenhado em melhorias para nossa região.Nossa sociedade precisa de mais pessoas como você.

Anônimo disse...

Muito bom!